sábado, 8 de agosto de 2015

...Caldo de Galinha ....

Uma tigela de caldo de galinha era sinal que algo corria mal ....estava certamente doente ou estava para estar.....a vida ficava do lado de fora da janela só aberta durante o tempo em que faziam a cama e também lá em baixo de onde vinham os habituais e confortáveis ruídos da casa a funcionar na sua rotina que afastava qualquer receio ou dúvida . Só aquela malga de caldo quente a cheirar a canja e hortelã dizia que as brincadeiras com o cão , as caminhadas pelo riacho , as corridas por entre as árvores do pomar e todas as maravilhosas coisas que preenchiam o dia iam ficar por fazer . Quando chegava a vez de vir o médico era então sinal de que podiam passar muitos dias até voltar a comer maçãs sentada no chão encostada a uma das árvores , ir mergulhar as mãos no poço chocalhando a água fria para ver os "alfaiates" deslizarem elegantes naquela superfície brilhante fazendo pequenos círculos mas nunca indo realmente a parte nenhuma. Aquilo encantava-me , os alfaiates verdes de longas pernas patinando no poço a fugir das ondas que a minha mão rodopiando na água ia levantando . Esperava sempre vê-los ir embora ...voar ....mas ali ficavam patinando na água gelada que partilhavam com os girinos e esperavam por mim todos os dias assim como eu todos os dias durante os anos em que fui realmente criança pensei que eles eram sempre os mesmos ...todos os dias...todos os anos.....tal como as galinhas do galinheiro .....como os bezerros .....como os ruidosos gansos ....tudo era sereno e seguro durante aquela infância feliz , apenas aquela tigela de caldo vinha dizer que provavelmente algo corria mal e as brincadeiras iam ter de esperar . Ficar adoentada uma vez por outra depois de ter bebido água gelada .. .tomado banho no riacho e deitado na terra quente para secar " eu bem a avisei ..." fazia parte das férias grandes , das férias de Verão !

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Agosto

Agosto

A cidade mergulhava num meio silêncio muito agradável .
 Havia o mesmo abrasador calor de hoje e as manhãs acordavam igualmente frescas e limpas tal qual acontece agora mas ao longo da manhã mantinha-se uma leveza de ar que se encontrava ainda durante a tarde .
 Mas era um certo silêncio / menos , muito menos barulho , o que fazia a grande diferença e nos dizia que eram as férias de Verão , que a cidade estava de férias , que era Agosto e Lisboa nos pertencia toda .

As consultas estavam não a abarrotar mas apenas frequentadas ...eram aqueles menos afortunados de dinheiros que também tinham ficado e alguns que partilhavam   comigo o  mesmo gosto de viver o Verão no sossego da cidade .

 Os dias decorriam calmos , instalavam-se pequenas rotinas que iam apenas durar um mês .
 O poder estacionar o carro ali perto de casa , debaixo das árvores , naquele local sempre ocupado todo o restante ano , o tomar a bica logo de manhã na pastelaria do costume mas agora com lugar à mesa e trocar conversa com o empregado que ao contrário do costume tinha agora sempre tempo para comentar as notícias que lera no jornal , o passar no Príncipe Real e ouvir o bom dia do jardineiro que conversava com a dona do quiosque , minha velha conhecida de há muitos anos .
Éramos nós e sabia bem estarmos a viver a nossa cidade , assim pela fresca , só para nós entre amigos .
As avenidas e ruas estavam quase vazias  , o comércio aberto era pouco mas o essencial , o Chiado não tinha turistas de chinelas e aquela morna sensação de ter a cidade para mim ia-se prolongando ao longo de todo o Agosto até que uma manhã qualquer , um inesperado frenesim de trânsito , uma cotovelada no café , uma cara torrada pelo Sol que lhe devia ter queimado qualquer hipótese de sorriso aparecia à porta com ar apressado exigindo uma qualquer coisa pateta e tola .
Tinha acabado o mês de Agosto e a minha cidade de Lisboa já não estava de férias de Verão !
anniehall